Carmen vai embora, é o final de | ||
Eu tive várias motos, com algumas eu caí e me machuquei, com outras eu vivi aventuras incríveis. Tive uma que, sem a sua ajuda, eu não teria terminado minha pós graduação. De carro não conseguia chegar a tempo na universidade por causa do transito caótico do Rio de Janeiro e ela me salvou. Quando passei alguns anos sem moto alguma, foram como se não tivessem existido, não guardo grandes lembranças desse período, nem grandes façanhas, nada marcante. Mas em dezembro de 2005 o espírito aventureiro voltou a me cutucar e acabei comprando uma Drag Star com o objetivo de viajar com a esposa, levando bagagens e tudo mais, tudo narrado aqui no Motonline na coluna Aventuras e desventuras com uma Drag Star Só que deu tudo errado, pois a moto não apresentava o desempenho esperado mesmo após ter gasto um bom dinheiro em acessórios e as viagens eram muito desconfortáveis. Percebi que não era a moto adequada para o que eu queria, tinha que trocá-la por outra logo e em meados de 2006 conheci a “Carmen”, linda, sofisticada e ao mesmo tempo clássica, falando português com sotaque americano, e muito cara. Era o que eu queria, mas a imagem de que “era muita areia para meu caminhãozinho” não me saía da cabeça. Um dia, numa festa (encontro de motos de Penedo) tomei coragem e a levei pra casa, com devido o apoio da esposa, claro! “Carmen” gosta de acessórios, adora ser modificada, e devorou meu dinheiro com essas bijuterias na mesma velocidade que ultrapassava uma fila de caminhões na estrada. Ahh, sim, as viagens se tornaram extremamente prazerosas, conforto total, potência de sobra, minha esposa adorava se aconchegar no lugar da garupa. Eu me diverti demais com ela, não só nas estradas mas também na garagem escura do prédio em que morávamos. Entre aquelas paredes sujas e com poucas testemunhas fui cuidando dela, mudando peças, ajustando sua injeção com o SERT para melhor se adaptar ao kit “Big Bore Stage 2” que instalei logo nas primeiras semanas para funcionar melhor com o nosso combustível misturado com álcool. Tudo isso foi narrado aqui, no Motonline, em uma série de colunas como Injeção é moleza! , Modificando o motor TC88 para TC95 , Ajustando a EFI da Harley Davidson com o SERT , Dicas de acessórios Harley Davidson , Corrigindo o rebolado e aumentando o prazer! entre outras tantas que escrevi ao longo desse período. Carmen também influenciou nossas férias, fomos ao Daytona Bike Week, a vários eventos HOG no Brasil e no exterior, e ela foi a catalisadora de várias amizades que duram até hoje. Na minha vida profissional, quem diria, “Carmen” também fez das suas, como descrevi na coluna Batendo papo sobre carros e motos contando sobre a palestra (nenhuma relação coma moto) que dei em SP para mais de 500 pessoas onde entrei com a moto no palco do centro de convenções do WTC fazendo a maior algazarra. Tive dezenas de pedidos de palestras depois dessa “estripulia” que literalmente “pagou todas as contas da Carmen”. Incrível como “Carmen” afetou minha vida. Poucos sabem que ela foi uma das responsáveis por eu ter ficado sem carro por quase um ano (na prática não usava mais o carro) e depois por ter me mudado do Rio de Janeiro, contei isso na coluna Mudando para a Dutra aqui no Motonline, e ainda menos pessoas sabem como essa mudança foi excelente para nós, eu e minha esposa. Morando perto da Dutra viajamos muito mais, fizemos novos amigos, e curtimos demais a “Carmen”. Em uma cidade pequena como Resende, sair com a moto é uma atração a parte. Todos olham, a maioria me conhece como “o cara da Harley”, e a turma da AMAN (Academia Militar de Agulhas Negras) fica encantada quando passo pelos seus portões, e sempre cumprimentam. Sucupira, colunista do Motonline que também se mudou para cá, se tornou um companheiro de viagem e num dia desses me perguntou “qual a quilometragem da Carmen?” e eu prontamente disse “deve estar perto da hora da revisão dos 16 mil, eu tenho andado pouco com ela ultimamente” e fui conferir no painel, pois eu só usava o mostrador parcial. Foi quando tomei um susto! A moto só tinha 10 mil km! Como assim? Já fiz tanta coisa com ela nesses últimos 4 anos, faz quase 3 anos que moro em Resende e lembro de ter feito a revisão dos 8 mil enquanto ainda morava no Rio, ainda no primeiro ano. Como só rodei 2 mil km desde que mudei pra cá? Mesmo andando pouco eu esperava no mínimo outros 8 mil km! O dia que Sucupira me acordou quanto à quilometragem da “Carmen” Infelizmente essa é a pura verdade. Desde que mudamos pra cá, nossos passeios são do tipo “Bate e volta”, raramente viajamos com bagagem. E como a cidade fica em um ponto estratégico, entre Rio e São Paulo, coladinho com Minas, todos os passeios são curtos. Cláudia também, sem fazer alarde, deixou de ser minha garupeira freqüente já que agora ela tem sua própria moto, aliás duas, uma Yamaha Neo (scooter) pra andar na cidade e uma Honda Tornado para seus passeios nas estradas de terra da região. E eu, sem garupa, costumo sair mais com a XT600 que mantenho para fazer passeios por estradas ruins de baixa velocidade. Não tinha me dado conta da minha traição à Carmen. Nunca uma moto foi tão importante na minha vida como ela, e nesses últimos anos deixei-a praticamente parada, debaixo da sua capa, quando muito fazendo passeios curtos pelas cidades da Dutra ou Fernão Dias. Fiquei tão surpreso que fui verificar a quilometragem dos outros veículos. Nos quase 3 anos aqui em Resende, eu e Cláudia rodamos um total de 20 mil km apenas, só que divididos em cinco veículos diferentes! Carmen rodou 2 mil km, minha XT rodou outro tanto e o Jeep que compramos aqui rodou praticamente a mesma coisa. A scooter Neo (que foi comprada aqui, portanto tem menos tempo conosco) proporcionalmente rodou muito mais: 2500 km dentro da cidade. O carro que uso para o trabalho (viagens) foi o que rodou mais, com 12 mil km em quase 3 anos, o que é ridiculamente baixo pela média nacional. A verdade é que em uma cidade pequena anda-se pouco mesmo. E como estou ao lado da Dutra, basta andar 30 minutos em qualquer direção para literalmente sair do estado e mudar completamente de paisagem. Todos os passeios são curtos, sempre muito curtos. Nesse sábado fui passear em Minas com a Carmen, já pensando no destino dela. O passeio foi ótimo e curto, como sempre. Coisa de 200 km ida e volta só. Quando cheguei em casa fiquei alguns momentos com ela na garagem alisando seus cromados e pensando “Você já me serviu de todas as formas que uma moto poderia me servir, e sou grato por isso, mas está na hora de você servir a outro que esteja precisando de você mais do que eu”. Quando a comprei pensava em mantê-la por 10 anos no mínimo, mas sem uso como está, é melhor vender... “Carmen” não foi feita para ficar parada) Uma tristeza me abateu por um segundo, mas imediatamente me veio à cabeça uma conversa que tive com um grande amigo, uma das poucas pessoas brilhantes que conheci, e que merece uma rápida introdução. Esse japonês (sim, ele é japonês) é um pouco mais novo de idade que meu pai, e sempre usou e abusou da filosofia oriental no seu dia a dia, algo que sempre me cativou. Há alguns anos ele passou por alguns problemas de saúde sérios, teve uma falência renal prematura (precisou de transplante) e um ataque cardíaco que foi resolvido com algumas pontes de safena. O fato é que durante a fase do problema renal ele passava horas e horas na hemodiálise diariamente vendo sua vida definhar, sem esperanças, e com isso abraçou ainda mais o estudo da filosofia como uma forma de entender aquilo tudo que estava acontecendo. Um dia desses, em nossas longas conversas depois de superado todas essas dificuldades, ele me disse que ”só precisamos ter aquilo que precisamos ter”, e que “tudo que acontece com você é o melhor que pode acontecer com você” citando a si próprio como exemplo. A idéia de “ser leve” se desfazendo de tudo que é desnecessário (só ter o que “precisamos ter”) é um conceito filosófico que eu entendo muito bem, mas como que uma pessoa com falência renal e várias pontes de safena poderia acreditar que o que aconteceu com ele era o melhor que poderia ter acontecido? Não vou entrar em detalhes preservando a privacidade desse meu amigo, mas entre outras coisas sua esposa doou em vida o rim que ele tanto precisava, um ato que amor tão profundo que muitos são incapazes de conceber. A retomada do estudo da filosofia abriu novos horizontes pra ele, que se tornou um grande orientador para seus filhos, hoje todos muito bem de vida. Seus amigos são ainda mais próximos do que antes, pois viram nele e na solidez de sua família um grande exemplo a ser seguido. Nossas conversas, por exemplo, duram várias horas, lembro de um dia que fomos tomar um café, e ficamos 7 horas de papo, ou melhor, eu bebendo da sua sabedoria.
Revista motonline |
domingo, 13 de junho de 2010
CARMEN VAI EMBORA..FINAL DE UM CICLO
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